Slayer – VOA Heavy Rock Festival – Pavilhão Atlântico, Lisboa – 5.Jul.2019

Voa Rocks 2019

“Esta merd* é como ir ao ginásio!”. Isto foi o que eu ouvi de um dos elementos do público no fim do concerto de Slayer. E concordo plenamente. Depois do fim do recrutamento militar obrigatório, ir a um concerto de Slayer é o primeiro contacto que muitas pessoas têm com provas físicas muito exigentes sendo os Slayer, neste caso, os instrutores. Este concerto passa-se exatamente dois anos e um mês depois da última passagem deste quarteto “infernal” por Portugal, na altura, no Coliseu dos Recreios.

Por volta da hora marcada para o início do concerto dos cabeças-de-cartaz ecoam pela sala os acordes de “Delusions of Savior”, a intro do último álbum da banda denominado “Repentless”. Notava-se a adrenalina e a ansiedade no público que iria ser libertada imediatamente a seguir com o tema-título do mesmo álbum e com a banda já em palco. Começa um movimento impressionante vindo de trás que me empurra em direção à frente do palco e faz o caminho inverso logo a seguir. Senti aí que o circle pit já tinha “explodido”. Debati-me para me manter em pé perante tamanha força da massa humana. Sim, isto é como ir ao ginásio, efetivamente. E não em regime de treino “leve”, com certeza.

Sendo esta uma digressão de despedida, a banda fez questão de percorrer os seus clássicos desde os mais antigos como “Evil Has No Boundaries” e “Postmortem” aos mais recentes como “World Painted Blood” e “Hate Worldwide”. “War Ensemble” foi bastante saudada e levou a um “recrudescer” da atividade no circle pit já que é um dos temas mais conhecidos do quarteto e, a nível pessoal, foi das primeiras músicas da banda que ouvi sendo uma das minhas preferidas até hoje.

“Gemini”, o único tema original incluído no álbum de covers punk “Undisputed Attitude”, marca uma interrupção na velocidade desenfreada que o concerto tinha tido até aí. Oportunidade para descansar o corpo já que a mente continuou ocupada a absorver uma das músicas mais sinistras que o quarteto alguma vez compôs.

“Mandatory Suicide” fez a banda voltar à “viagem” pelos clássicos culminando na “Chemical Warfare” logo a seguir sendo esta uma das minhas músicas preferidas deles e a minha preferida da noite. Música com um trabalho de bateria e guitarras notável. Nunca me canso de a ouvir. Escusado será dizer que os níveis de adrenalina no pit e no crowd surfing nunca desceram dos píncaros da insanidade e loucura não sendo raras as vezes que via pessoas com as pernas ao contrário em cima do público.

“Payback” e “Temptation” foram os únicos “não clássicos” na segunda metade do concerto em que a banda não mostraria piedade como já tinham avisado no seu primeiro álbum “Show No Mercy”. “Born Of Fire” (re)inicia a investida passando por “Seasons In The Abyss”, “Hell Awaits” e “South Of Heaven”.

O último round começa, inevitavelmente, com um dos hinos mais consagrados dos Slayer, a “Raining Blood” que faz o público a certa altura gritar em uníssono com tal volume enquanto a banda toca a parte instrumental do tema. Arrisco-me a dizer que este grito coletivo ouviu-se no espaço tal a sua magnitude. “Black Magic” e “Dead Skin Mask” continuam a celebração quando surge a inesquecível “Angel Of Death”, que se debruça sobre o Holocausto e suas atrocidades. Como é que chegamos a um ponto em que um regime político implementa uma política de extermínio com o apoio implícito da maioria da sua população? É uma reflexão que se impõe a toda a humanidade. Os Slayer certificam-se que essas atrocidades nunca cairão no esquecimento quando retratam as experiências do macabro Joseph Mengele. Uma das minhas preferidas devido ao facto de dizer a verdade sem qualquer tipo de pudor. Sabia que o final aproximava-se. Olhei para o circle pit e metia medo. Meteria medo até ao próprio Satanás. Mas sabia também que nunca me perdoaria se não lá entrasse já que provavelmente era a última vez que o faria num concerto de Slayer. Quando me deixei contagiar pela música e senti um pico de adrenalina lá me mandei eu para a “rotativa infernal”. E não me arrependi. Como sempre o espírito de camaradagem estava presente como é apanágio das hostes dos sons mais pesados. Lindo!

E quando chega ao fim, o sentimento de satisfação reflete-se na cara de todos os presentes. Paul Bostaph não se cansa de fazer vénias ao público. Todos os elementos da banda despedem-se mas existe um em particular que demora mais do que todos os outros. Tom Araya. O vocalista, baxista e cofundador da banda percorre todo o palco e vai parando e olhando de forma prolongada para o público. Parece que quer olhar para todas as pessoas no recinto e absorver cada reação do público. Até que por fim olha na minha/nossa direção e nessa altura, sorrio. E não paro de sorrir. E ele demora no seu olhar. Nota-se que vai sentir a falta de tocar ao vivo mas conhecendo Tom Araya e do que deixou transparecer ao longo da carreira, nota-se que não foi uma decisão de ânimo leve deixar os palcos. Nota-se que quer aproveitar ao máximo e absorver ao máximo toda a energia inerente aos concertos até para não se arrepender de não o ter tido feito, no futuro. Houve um momento em que me apeteceu chorar porque tudo aquilo me soava a uma derradeira despedida porque toda a atitude do Tom foi nesse sentido até porque ele leu uma mensagem para o público mas infelizmente o microfone estava desligado no momento do início da mesma. No entanto, é melhor encarar esta despedida como um “até já”. Pela nossa parte, ele pode voltar quando quiser. Especulando um pouco, como não senti o mesmo sentimento de despedida por parte de Kerry King, talvez King continue com outro projeto ou a solo. Quem sabe…

Resumindo o que não pode ser resumido: um concerto arrasador (como sempre) em jeito de celebração e que nunca esquecerei nem os presentes para o resto da minha/nossa vida de uma das bandas mais importantes e para sempre imortalizadas na história dos sons mais pesados.

Anteriormente pude ver a atuação dos Gojira e dos Lamb Of God. A atuação dos Gojira teve um virtuosismo inegável. Os franceses atuaram de forma irrepreensível numa atuação brilhante que, em certos momentos, pareceu uma viagem espiritual e metafísica. Conquistaram-me e fiquei com curiosidade em vê-los novamente. Os Lamb Of God foi a explosão de energia e brutalidade que já se previa. O vocalista não se cansou de puxar pelo público e “picá-lo” quando sentia que ele podia dar mais. Na parte final “desentendeu-se” com os monitores da frente do palco e envolveu-se numa luta física com estes. Atuação memorável também. Não pude ver as bandas anteriores já que cheguei ao evento por volta das 19h.

No que à composição da audiência diz respeito já se pede um estudo sociológico. Isto porque é notória a maior afluência de elementos do género feminino a ir a concertos de músico pesada desde há uns poucos anos a esta parte. Não só mais elementos do sexo feminino como de uma faixa etária cada vez mais nova. Vi lá raparigas de 14, 15 anos (e não eram poucas) coisa que há 15, 20 anos atrás não acontecia presumivelmente devido a este tipo de música pertencer ao setor menos “comercial” e mainstream da indústria musical. Fica aqui a ideia para futuras teses de mestrado ou doutoramento.

Setlist do concerto (fonte: setlist.fm).

Agradecimentos: Obrigado às pessoas que gravaram os vídeos de forma a permitir às pessoas que não estiveram no concerto, “senti-lo” e a quem esteve, voltar a reviver o momento.

Por: Vítor Teixeira

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